Américo Ribeiro Mendes Netto: De maneira simples considero que o profissional da área de comércio exterior deve ter dois tipos de competências: mental e cultural para estar apto para a batalha da competitividade mundial.
Global 21 - Em sua invejável trajetória na internacionalização de empresas como a Eberle, Grupo Weg, General Eletric, Philco - Ford, dentre outras, o senhor percorreu cinco continentes em 127 viagens de negócios. Considerando a sua sólida experiência, o que acredita ser absolutamente indispensável para as empresas que querem iniciar o processo exportador?
Américo Ribeiro Mendes Netto - Não existe passe de mágica. Há que investir em PESSOAL, competente e motivado. A atenção constante a esses dois predicados determinará o êxito da partida e da jornada futura.
G21 - Quais os fatores de competitividade que os profissionais da área de comércio exterior devem possuir para atuar na nobre tarefa de vender para o mercado internacional?
Américo - A visão que tenho é fruto direto da minha experiência. Procurei reunir aspectos básicos e que foram comprovados na prática. De maneira simples considero que o profissional envolvido em comércio exterior deve ter dois tipos de competências: mental e cultural. Quanto mais próximos estiverem deles, mais aptos estarão para a batalha da competitividade.
1. PREPARO MENTAL
- Paciência: cujo ideograma japonês NIN é um punhal atravessando o coração o qual deve ser retirado com calma, aos poucos, sem precipitação. Combinado com JA, homem, resulta no conhecido NINJA que é o guerreiro paciente, o que sabe aguardar a hora de atacar ou se defender. Os negociadores orientais sabem tirar vantagem da habitual impaciência dos ocidentais. Em Tókio, depois de uma reunião de mais de três horas... sem resultado algum... recebi a decisão do cliente saindo pela escadaria. Estava exercitando a arte do NIN.
Tenho especial admiração pela afirmativa ZEN:
"Sei pensar, jejuar e esperar...!"
- Concentração: não ceder a tentação de perder o foco no objetivo. Pequenos detalhes não percebidos de imediato podem determinar o fracasso ou o sucesso de uma negociação. Uma leve piscadela de olhos entre dois diretores de um potencial cliente em Vancouver me convenceu que estavam blefando... Mantive minha proposta, com convicção, e obtive a encomenda.
- Desligar seu PAC: o Piloto Automático Cultural pode enfraquecer ou mesmo destruir a disposição em negociar com eficácia. Não adianta ficar irritado com falta de pontualidade dos árabes, nem com o fato de que os mexicanos almoçam às 15 horas e que os indonésios colocam a comida no teu prato com as mãos. E por favor, não faça como um colega meu que entrou em pânico por que não encontrou o galeto, estilo caxiense, em Viena!
- Bom Humor: irresistível poder capaz de conduzir e mesmo reverter situações pessoais e profissionais. Em meu livro, no capitulo "Operações de Guerra", relato negociação, sobre baionetas forjadas Eberle, que mantive com o diretor de compras Klaus Kauer da empresa alemã H&K Ele tinha fama de ser o terror dos vendedores, usando a técnica do "joelhaço" do Analista de Bagé, conhecido personagem de Luís Fernando Veríssimo. Procurava desarmá-los, de imediato, para depois negociar. Foi assim comigo:
"Fez sinal para que me sentasse e apontando para mim disparou:
-Áries!
-Gêmeos!-respondi
-Bayer de Munique! - continuou ele.
-Internacional de Porto Alegre! - repliquei
-Lufthansa! -insistiu
-Varig! - não me intimidei.
-Baionetas aqui em cinco semanas! -disse ele.
-Impossível. Nem por milagre. - retorqui
-Quero um milagre. Pago 10 % a mais! - voltou ele.
-Topo, mas não com tolerância na usinagem de 1 / 10. Será que é necessária tanta precisão considerando-se a finalidade do produto?
-Trata-se de princípio de qualidade do qual não abrimos mão.
Respondi então:
-Estou de acordo, mas para cumprir o prazo de entrega o embarque terá que ser via aérea e custeado pela H&K, topas?
-Topo, mas com a condição de que os 10 % adicionais fiquem retidos até a entrega total aqui. Topas?-volveu Klaus.
-Topo. Podes emitir a Ordem de Compra para que a leve em mãos ao Brasil.
Quinze minutos depois voltou com a O.C.
A Eberle cumpriu o prometido e a H&C foi sua cliente por muitos anos.
2. PREPARO CULTURAL
- Conhecimento: de todos os aspectos que cerca a sua atividade: produtos, mercado, empresa, aspectos políticos, econômicos, geográficos etc. Sua busca e aperfeiçoamento nunca devem cessar. Sempre será fator de progresso pessoal e profissional. Em se tratando de contatos com outros países recomenda-se o óbvio: atualizar as informações básicas sobre os mesmos. Fui testemunha de episódio onde certa demonstração de ignorância foi, no mínimo, ridícula. Havíamos sido convidados para almoço no último andar do Toshiba Building no centro de Tókio. Estava lá o presidente do conselho de administração daquela empresa, portanto seu mais alto nível. Perto de noventa anos simpático e muito cordial elogiou a nossa empresa WEG e colocou- se a disposição para alguma manifestação que quiséssemos fazer. Imediatamente meu acompanhante brasileiro adiantou-se e perguntou:
"Senhor Suzuki, quantos habitantes tem Tókio?"
Diante da indagação ele fechou os olhos por alguns minutos. Finalmente encarou seu interlocutor e respondeu:
"Não sei.".
Durante o magnífico almoço que se seguiu o nosso patrício indagador comentou, indignado:"Que vergonha... o presidente mundial da Toshiba não saber quantos habitantes tem Tókio!!"
Naquele momento o Suzuki San* levantou um brinde ao Brasil. Não pude deixar de notar leve ironia ao cruzar seu olhar com o do nosso conterrâneo.
- Desenvoltura Social: naturalidade em conduzir-se nas mais diversas situações. Está muito ligada a personalidade da pessoa. Pode ser desenvolvida, em parte. Tive um colega na WEG que estava confinado no departamento de engenharia. Mas achei que seus enormes conhecimentos técnicos poderiam muito ajudar no desenvolvimento de clientes de produtos especiais. Apostei nele trazendo-o para a área de vendas. Sua quietude e introversão foram desaparecendo com o tempo. Com bom treinamento de relações humanas desabrochou a ponto de torna-se gerente de vendas de importante filial no exterior.
- Línguas: Inglês como base, seguida do espanhol. Uma terceira língua é recomendável dependendo das necessidades pessoais e profissionais. Pela importância da China sua língua oficial Mandarim irá assumir posição preponderante nos próximos anos. O ensino dessa língua está em crescimento em todo o mundo, substituindo, gradualmente o japonês. Vale comentar o retorno às universidades do latim e do grego em cursos técnicos como, por exemplo, na famosa Politécnica de Milão.
G21 - Dentre os inúmeros países - ou regiões - onde atuou na comercialização de produtos, quais os menos acessíveis? Por quê? Que estratégias o senhor aconselharia para driblar tais situações?
Américo - Em especial o Japão. Em meu livro "Segredos de Passaporte" relato as dificuldades que encontrei para conseguir decifrar a maneira japonesa de negociar. Desde o clima não convencional das discussões e a descoberta dos chamados fatores ocultos que impediam conclusão dos temas propostos. Foram em momentos não formais de trabalho (restaurantes, por exemplo) que descobri a razão da negativa de efetuarem compras da minha empresa: havia compromissos históricos do meu potencial cliente com determinado concorrente nosso. Quando descobri esse empecilho mudamos a nossa estratégia para o Japão estabelecendo empresa própria para buscar outros clientes. Foi exitoso empreendimento cujo sucesso crescente vigora até os dias atuais.
G21 - No prefácio de seu livro "Segredos de Passaporte" é lançada a questão, aparentemente polêmica, "Vender é ciência ou arte?" Qual o seu posicionamento?
Américo - Acredito na recomendação do Senhor Buda: "O Caminho do Meio".
Vender é uma Ciência, mas que mexe com as emoções, portanto é também Arte.
G21 - Como a sua experiência na área de internacionalizar empresas permeia quatro décadas iniciando em um período em que as comunicações - a internet era, até então, inimaginável - e as estratégias de marketing eram totalmente diversas que as de hoje, quais as principais diferenças na forma de atuar no mercado internacional comparando-se este período?
Américo - As mudanças maiores não foram nas estratégias e sim nos meios para atingi-las como a Informática e os Meios de Comunicação. Atualmente existe rapidez e precisão de informações, mas continuam válidos os ensinamentos do lendário Sun Tzu que orientam a derrotar o inimigo ...sem batalhar . O marketing, tanto estratégico como o operacional, baseia-se sempre na antecipação de ações e essas na qualidade das informações e de suas interpretações. Hoje disponho de mais velocidade e precisão nas minhas informações. Mas, também, o meu concorrente as dispõe. Portanto a luta é a mesma, mas em níveis superiores.
Como consultor de negócios internacionais continuo buscando soluções mercadológicas usando, é claro , a modernidade dos meios disponíveis. Mas tenho plena consciência de que as DECISÔES continuam sendo tomadas, não por empresas, entidades ou governos, mas por PESSOAS Aqui reside a chave do sucesso: GENTE !! É disso que trata o "Segredos de Passaporte" e também tratará meu próximo livro.
Tudo que aprendi e que continuo aprendendo refere-se a PESSOAS...
Entendo que não é caminho fácil, mas é o único que conheço. Como fazer? Bem...esse é outro assunto... desafiador e empolgante!
G21 - Embora tenha vivenciado em um infindável número de casos bem sucedidos, há algum que tenha lhe marcado mais? Por quê?
Américo - Um deles está no meu livro no capitulo "A palavra final" Tratava-se de negociação onde tudo parecia claro e definido pela diretoria da Kennet de Salt Lake City, USA. A WEG estava aceita como novo fornecedor de motores elétricos da poderosa empresa dedicada à exploração e refino de cobre. Ao terminar a festiva reunião o presidente comentou com naturalidade: "De parte da diretoria tudo bem, mas sempre que um novo fornecedor de itens importante é homologado é preciso também que ele seja aceito também pelo nosso Gerente Geral de Manutenção. Trata-se de um ato de mera rotina e não tomará muito tempo de vocês."
Parecia irmão gêmeo do Raul Freitas. Recebeu-nos em pé na sua pequena sala e foi logo atirando:
"Sou o responsável pela continuidade absoluta da operação dessa planta. Sou a única pessoa que tem o direito de telefonar para o Presidente a qualquer hora do dia ou da noite. Vocês têm cinco minutos para falar. Tenho outra reunião importante agora. Motores elétricos? Tenho quatro fornecedores excelentes aqui em Salt Lake City e sempre fui muito bem atendido. Do Brasil? O que vocês têm a me oferecer a mais que eu já não tenha? Respondam logo, pois já estou de saída!"
Era o momento do tudo ou nada. Dependendo da nossa resposta a negociação terminaria ali ou iria adiante. Teria que ser resposta de impacto. Durante meses havíamos investido tempo e dinheiro no projeto. Ele era estratégico para a WEG. Colocaríamos tudo a perder em razão de uma simples resposta? Entendendo a gravidade da situação disparei:
"- TEMOS A OFERECER PREÇOS 25 % A MENOS DO QUE NOSSO PRINCIPAL CONCORRENTE."
Foi no alvo! O GGM foi tocado pelo irresistível argumento. Solicitou mais informações sobre nossa empresa. Tivemos tempo de reavaliar nossos custos e apresentar nova proposta. Passadas algumas semanas recebemos o comunicado oficial da Kennet de que a WEG estava 100% homologada.
Sempre menciono esse caso como exemplo de que, em todos os negócios, é vital descobrir de quem é a palavra final. Em empresas grandes muitas vezes é difícil decifrar esta charada. Mas tem que ser tentado.
G21 - Considera que o desconhecimento sobre a cultura, hábitos, costumes, religião, e assim vai, pode conduzir a gafes passíveis de arranhar uma boa negociação? O senhor já passou por alguma situação culturalmente embaraçosa ou no mínimo exótica?
Américo - Mesmo com todo o preparo ninguém está livre de dar alguma "mancada".
Durante o almoço com Peter Charles, primeiro cliente da WEG em Hong Kong, comentei que um fabricante de compressores de São Paulo, meu conhecido, havia perdido tudo em corridas de cavalo. Depois do almoço fui conhecer o escritório dele. Ficava no edifício em frente a colina onde havia sido filmado o " Suplício de uma Saudade " com a Jennifer Jones e o William Holden. Na sala do Peter me deparei com uma galeria de quadros. Todos mostravam nosso amigo posando ao lado de cavalos. Ele era, simplesmente, presidente do Jockey Clube de HK.
Sem comentários!
G21 - Qual o seu posicionamento frente ao ingresso no mercado internacional das pequenas empresas? Quais as sugestões daria para que possam obter sucesso?
Américo - Ao lado das considerações já apresentadas eu recomendaria que o pessoal, de todos os níveis, das pequenas e médias empresas, participe de cursos, seminários, associações, exibições e se possível em missões ao exterior. Tudo isso vai criar o CLIMA INTERNACIONAL dentro da empresa. Existem hoje inúmeras entidades que proporcionam esses eventos a custos muito baixos e às vezes, sem custos. Entidades governamentais possuem áreas de apoio ao comércio exterior.
Universidades estão oferecendo cursos regulares e de pos graduação com horários diurnos e noturnos .
Em resumo: para obter sucesso as pequenas e médias empresas devem investir na qualificação de se pessoal. È o óbvio? È! Não há outro caminho.
* Senhor ou Senhora em japonês.
O Engenheiro Américo Ribeiro Mendes Netto é Diretor Geral da Conosco do Brasil Ltda., e-mail: americo@conosco.com.br